Thomas Mann e o Altermundialismo
Certos leitores de Thomas Mann e outros intérpretes da vida intelectual dos anos de 1920 já assinalaram a crítica do ambiente urbano-industrial tornado inóspito como traçado original de A Montanha Mágica. Todavia, nem todos gostariam de reconhecer no Thomas Mann romancista da classe burguesa um precursor ou mais ainda pioneiro da consciência ambientalista, muito menos o protótipo de um ecologista militante.
Certo, não há levantamento de dados mensurando o alcance prejudicial da poluição sobre a população das cidades, nem sugestões de medidas para reduzi-la.
Trata-se de um romance inspirado na crise do individualismo liberal e sobre o mesmo elaborado, onde é ausente a perspectiva militante e até mesmo a crítica social direta, em que pesem os debates ideológicos entre notados personagens marcadamente cerebrais.
Sem embargo, a narrativa tem alcance crítico por retratar no contexto da época o drama dos indivíduos atingidos pela poluição e, por esta razão, debilitados: “A Montanha Mágica” trata da forma de vida de pessoas impossibilitadas em residir na cidade industrial por quererem evitar a degeneração de sua saúde.
Ali é retratada a sociabilidade dos convivas nos círculos sociais de um sanatório montanhês para a recuperação de enfermidades pulmonares, frequentes à época. O romancista elabora com sensibilidade tal circunstância de afastamento em busca do ar leve, rarefeito e puro das montanhas frias (havia muitos sanatórios à época), para, desta forma conveniente, configurar em simetria a distância estética imprescindível à autêntica obra de arte.
Com certeza, tal romance com motivo nos convivas enfermos da poluição, por si só constitui um valor crítico de atualidade ambientalista, mas o fato de que o sanatório esteja em Davos acrescenta um aspecto simbólico pelo qual o romance de Thomas Mann contribui notadamente para a crítica social pelo altermundialismo.
►Com efeito, em acordo com alguns argutos comentaristas pode-se dizer que, em 1970, o criador da proposta de reunir anualmente no monte Davos de Suíça os principais líderes econômicos europeus, a fim de promover a indústria do continente, não imaginava que, ao passar do tempo, Davos se constituiria no símbolo latente da economia global e das inquietações das nações poderosas, tornando-se o Fórum Mundial Econômico.
Cidade em que se desenvolve “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann, Davos tornou-se o albergue para os donos do dinheiro, hospital onde estadistas, banqueiros, economistas e outros especialistas analisam as enfermidades que ameaçam o mundo capitalista.
O fórum da “montanha mágica” houve por aglutinar a atenção dos responsáveis do destino do orbe, centrando suas agendas nos temas do desenvolvimento global. Basta ver os assuntos debatidos na última
década: “A Nova direção da liderança (1991)”; “Cooperação e Megacompetição (1992)”; “A recuperação Global (1993)”; “Redefinição dos pontos básicos da Globalização (1994)”; “Globalização da Economia Mundial (1996)”; “O Impacto da Globalização (1999)”; “Internet e a Engenharia Genética (2000); “Como manter o Crescimento e criar pontes que terminem com as divisões: um marco de ação para o futuro global (2001)”; ” Liderança em tempo de fragilidade: uma visão para um futuro comum (2002).
Seja como for, o tema que inquietou mesmo os novos convivas de Davos foi o relatório de que o aquecimento da Terra levaria a economia mundial a encolher-se em 20%. O volumoso “informe Stern” conclui com expressões dramáticas: “Nuestras acciones actuales y de las próximas décadas podrían crear el riesgo de que se produzca una importante perturbación de las actividades económicas y sociales, cuya escala sería comparable a la asociada con las grandes guerras y depresión económica de la primera mitad del siglo XX”.
Mas não é tudo. Na outra face de Davos-fórum da economia se estabeleceu uma passarela onde fascina desfilar, e, além de prescreverem as fórmulas para fortalecer as transnacionais da globalização, os personagens dos altos cargos que ali pagam para circular se acreditam elevados ao esnobismo e à liderança mundial pelo oráculo do dinheiro.
Seja como for, por sua inércia em face da questão ecológica, a Davos mundial da globalização parece revigorar a imagem de que, na montanha de Thomas Mann, se pode adquirir perfeita saúde, mas atravessando a experiência da enfermidade.
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Etiquetado como: ambientalismo, cidadania, classe burguesa, individualismo, literatura, romance, sociologia
Leitura de Thomas Mann: notas de sociologia da literatura
Fragmentos  extraídos do ensaio “Sociologia da Literatura – II: a ideologia do  existente na leitura de Thomas Mann”, por Jacob (J.) Lumier.
Epígrafe
Thomas Mann é o pioneiro da questão ambientalista e A Montanha Mágica  é o primeiro grande romance a pôr em foco a poluição atmosférica e a  denunciar a baixa qualidade da oxigenação no ambiente urbano.
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O  projeto intelectual de pensar o existente em estado elementar, como  material artístico, constitui o aspecto prioritário a ser levado em  conta na análise sociológica de A Montanha Mágica.
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Introdução:  forma romanesca e estrutura literária
A  forma romanesca tem sua vertente no romantismo, tanto que sociólogos  notáveis como Lucien Goldmann recorrem à classificação de Goethe para  situar o marco do avanço da forma romanesca no fim do período poético.
Na leitura de Ernst Bloch[1] observamos que a análise da contradição contemporânea põe em relevo a aspiração ao homem completo como a forma de alguma coisa que falta  e que se descobre na esperança histórico-filosófica. Sobressai  igualmente a pesquisa do concretamente utópico constatado nas  superestruturas da intensa modernização e acelerado crescimento  industrial dos anos vinte na Alemanha. Essas linhas aportam luzes não só  para a sociologia da literatura, mas, particularmente, favorece a  compreensão do romance como forma literária específica do mundo moderno,  notadamente em relação à produção de avant-garde.
O  romance corresponde ao desenvolvimento da sociedade burguesa e do mundo  capitalista na medida em que põe em obra a história de uma busca, uma  aspiração implicando uma biografia individual. Todavia, como se sabe, o  imenso progresso da forma romanesca no século XIX constitui um  indicativo seguro do fenômeno superestrutural da reificação,  notado inclusive no plano da composição, onde a biografia individual  nutrida de aspiração enseja a forma romanesca exatamente não só porque  deve necessariamente decepcionar, mas porque segrega as razões de sua  degradação em crônica social.
Com  efeito, a forma romanesca tem sua vertente no romantismo, tanto que  sociólogos notáveis como Lucien Goldmann recorrem à classificação de  Goethe para situar o marco do avanço da forma romanesca no fim do período poético, onde o criador se sentia ainda em acordo com a sociedade, onde a arte e a literatura passavam por ser uma criação natural – concepção esta atribuída ao notável poeta romântico do século XVIII Schiller [2], igualmente defensor da poesia histórica.
Vale  dizer, a forma romanesca nos escritores como Balzac, Stendhal,  Flaubert, Zola, Malraux, Thomas Mann, Pasternak, etc., estes já no  século XX, os permitiu colocar em obra ao mesmo tempo o problema da  busca do humano em um mundo que lhe é contrário e descrever a essência  deste mundo inóspito[3].
A  compreensão sociológica do romance em nível de superestruturas  assenta-se em dois campos de pesquisa, seguintes: (a) – pesquisar o  romance como o único gênero literário no qual a ética do romancista  torna-se um problema estético da obra; (b) – pesquisar a relação entre a  forma romanesca ela mesma e a estrutura social na ambiência da qual se  desenvolveu, isto é, as correlações do gênero romance com a sociedade  individualista moderna [4]·.
Admitindo  que valores ideais autênticos encontram-se implícitos no horizonte do  romancista, onde permanecem abstratos e constituem o caráter ético,  surge o problema de saber como se faz que esses valores venham a se  tornar elementos essenciais de uma obra artística literária como o  romance.
►Afirma-se  inicialmente a compreensão de que a literatura romanesca se desenvolve  com relativa autonomia tanto em relação à consciência real quanto à consciência possível  de um agrupamento social particular. Isto porque houvera uma  transposição direta da vida econômica nessa criação literária. Ademais,  do ponto de vista da relativa autonomia, se constataria igualmente nas  sociedades de mercado uma modificação significativa do estatuto das  consciências individual e coletiva.  Em modo implícito, essa modificação  se estenderia ao campo sociológico das relações entre infra e  superestruturas, de tal sorte que os paralelismos entre as estruturas  econômicas e as manifestações literárias romanescas teriam lugar no  exterior da consciência coletiva [5].
Desta  forma, aprofundando no individualismo e elaborando para além do âmbito  de toda a comunicação social, a teoria psicossociológica de Lucien  Goldmann pauta-se na pesquisa daquela “modificação radical” nos níveis  superestruturais.
Admitindo  que valores ideais autênticos encontram-se implícitos no horizonte do  romancista, onde permanecem abstratos e constituem o caráter ético,  surge o problema de saber como se faz que esses valores venham a se  tornar elementos essenciais de uma obra artística literária como o  romance.
Indagação  esta procedente na medida em que as idéias abstratas não têm lugar em  uma obra artística literária, onde constituiriam elemento heterogêneo,  só podendo ser afirmadas, entretanto, sob o modo de uma ausência não  temática, ou presença degradada.
Com  efeito, para esta pesquisa dá-se prioridade exclusiva à situação dos  escritores que buscam pôr em obra uma visão individualista com mirada  universal, tendo por base o próprio contexto de crise do individualismo,  que marca a segunda metade do século XIX.
Admite-se  uma distinção fundamental entre a obra propriamente literária e os  escritos conceituais. Quer dizer, a possibilidade para o escritor fazer  obra literária, criar universos imaginários concretos com mirada  realista revela-se estreitamente ligada à certeza de sua aspiração, à fé em valores humanos afirmados como universalmente acessíveis a todos os homens.
Por  sua vez, os escritos conceituais revelam-se corresponder pelo contrário  à ausência de fé na aspiração assumida, seja sob a forma da desilusão  ou de uma “elite criadora” [6].
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[1] Ver: postagem neste Blog sobre meu o ensaio “Crítica da Cultura e Comunicação Social” publicado na Web da OEI.
[2] Friedrich Schiller (Johann Christoph), 1759 – 1805.
[4] Ver Goldmann, Lucien: “Sociologie du Roman”, págs. 33, 35.
[5] Do ponto de vista das estruturas reificacionais sobressai a supressão de toda a importância essencial do indivíduo e da vida individual no interior das estruturas econômicas. Ver NOTA COMPLEMENTAR 01 NO FINAL desta Introdução.
[6] Ib, ibidem, págs.83, 84.
continua
A teoria Psicossociológica e o Individualismo
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A Sociologia da Literatura nas Relações Humanas.
A Sociologia da Literatura nas Relações Humanas:
Comentários em torno ao problema da apreensão do desejado.
por
Jacob (J.) Lumier
A  importância de Goethe ou de Shakespeare não provém de sua filosofia,  mas de terem criado um objeto novo que é o objeto literário.
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Desde  o ponto de vista da finalidade literária e em face dos esforços de  interpretação, o fato literário não pode ser reduzido a significações  sociais nem a significações psicológicas para compreender, ajuizar e  classificar os romances.
A  significação considerada como atributo de uma visão de mundo mais ou  menos coerente (uma weltanschaung, no sentido compreendido por Lucien  Goldmann em “A Sociologia do Romance”) levaria a que os escritores  surgiriam com espantosa insignificância ao lado dos pensadores: que  seria um Rousseau ao lado de Kant? Gide comparado a Nietzsche?Por contra, as noções sociológicas de “objeto literário” e “eficácia estética”, como níveis da aspiração aos valores (1), levam a repensar em outro modo a significação aplicada ao fato literário: a importância de Goethe ou de Shakespeare não provém da sua filosofia, mas de terem criado um objeto novo que é o objeto literário. Nesse objeto, certo número de idéias (uma visão de mundo) se encontram dotadas da máxima eficácia estética, mas prevalecem também as emoções.
Quer dizer, favorecendo a especificidade do fato literário como configuração de valores, e se admitirmos que a eficácia está mais próxima da “afetividade” do que da intelecção, teríamos confirmada a constatação de que algumas idéias afetivamente muito significativas (idéias afetivas vinculadas à elaboração do personagem e implicando certa propensão ao direito, à moral, ao conhecimento, etc. como aspectos da afirmação individual) podem ser infinitamente mais eficazes em sua capacidade para despertar as aspirações tendenciais do que uma weltanschaung.
Nesta perspectiva, sobressai que a sociologia da literatura deve ser também uma sociologia da fantasia, de sorte que, ao se orientar para a apreensão do desejado, assume um ponto de vista interior ao fato literário, trazendo para o campo da sociologia as significações que a própria fantasia comporta ou elucida – note-se que o valor desejado se pode afirmar sem o apoio de qualquer norma moral, ao passo que o elemento da norma não pode separar-se do valor desejado.
Antes de nos ensinar coisas, tais significações são aquelas de que nos ocupamos como indivíduos humanos, independentemente de nossas conclusões ou inferências conceituais (sejam justificativas ideológicas ou não). Em maneira indireta e variada, a fantasia elucida todos os achados, disfarces, fugas, subterfúgios estranhos, os quais ocupam nossas relações humanas pelo menos tanto quanto podem ensinar-nos alguma coisa.
Para  constatar o interesse da sociologia da literatura no estudo das  relações humanas basta reler a análise por Nathalie Sarraute (“L’Ére du  Supçon”, Paris, Gallimard, 1956; publicado originalmente in “Les Temps  Modernes”, Outubro, 1947) sobre a fantasia na ação dramática em  Dostoyevski, tendo em referência o personagem do velho Karámazovi  (Fiodor Pávlovitch) e seu comportamento perante o monge “staretz  Zósima”, descrito no Livro II da Parte I de “Los Hermanos Karámazovi”  (conforme a edição castelhana de Aguilar).
Nessa  análise, são postos em relevo os procedimentos de Dostoyevski para  fazer sobressair os estados ou movimentos sutis dificilmente  perceptíveis, fugidícios, contraditórios, evanescentes que já notamos  sob o conceito sociológico de fantasia , em que pese a utilização pouco  refinada das gesticulações inverossímeis impostas aos personagens.Tais procedimentos composicionais dostoyevskianos são descritos nessa análise e comentados na seguinte ordem: 1º) – a apresentação do velho Karámazovi por ele mesmo ao entrar em cena perante o staretz Zósima; 2º) – suas falas trocadas com o staretz. Assim, das páginas 33 a 37 do seu ensaio crítico literário Nathalie Sarraute reproduz as falas em que o velho Karámazovi se qualifica a ele próprio de “bufão” e como tal se recomenda à apreciação dos inúmeros presentes naquela cena, dizendo ser bufão por um antigo hábito. Então, a esta fala, o personagem faz caretas, se contorce, se exibe em poses grotescas; prossegue contando “com uma feroz e ácida lucidez” como ele se encontrou em situações humilhantes empregando ao falar os diminutivos simples e agressivos.
Destaca-se que Fiodor Karámazov mente frontalmente e quando pego é ligeiro em dar a volta por cima: “não se pode jamais pegá-lo desprevenido, ele se controla e, em face do flagrante reage dizendo não só que sabia estar mentindo, mas -pois ele tem adivinhações estranhas- dizendo haver pressentido que, tão logo começou a falar aos presentes, ali dentre eles estava o primeiro que iria fazê-lo remarcar estar mentindo”.
Mas não é tudo. Parecendo saber que ao diminuir a si próprio diminuía também os outros com ele, que os deixava aviltados, ele escarnece confessando haver inventado todo o dito naquele instante para fazer mais picante. Sarraute sublinha que tendo o olhar voltado para ele mesmo, ele se perscruta e se espia, pois será para lisonjear aos presentes, para os conciliar, para os desarmar que ele se debate dessa maneira, E ele mesmo o diz: “é para ser mais amável que eu faço caretas , aliás, às vezes nem sei porque”. Sarraute compara-o a um “clown” que se despe fazendo piruetas e nos mostra como ele é mordaz quando, ao dizer que um gênio ruim se fosse importante não poderia nele se hospedar, estende tal possibilidade aos presentes para refutá-la por eles, e acrescenta: “vós sois um abrigo estragado”.
É então a vez do monge staretz Zósima manifestar-se na cena e o faz rogando com instância a Fiodor Karámazovi para não se inquietar nem se molestar, para que esteja como em seu lar. Mas o staretz também é perscrutador e, examinando sem indignação nem desgosto “a matéria tulmutuosa que borbulha e transborda” (o velho Karámazovi a sua frente), acrescenta: “não tenha vergonha de você mesmo, pois é daí que tudo provém”. Todavia, será em face da contestação de Fiodor Karámazovi gracejando com o convite para portar-se ao natural que o staretz chega a compreendê-lo bem e percebe ter sido para se conformar à idéia que eles se fazem dele, para engrandecer-se mais ainda sobre eles, que ele se contorsiona. E Sarraute nos brinda com as seguintes frases selecionadas: “… porque me parece quando vou na direção das gentes… que todo o mundo me toma por bufão. Então eu me digo: façamos o bufão… pois todos, até o último, vós sois mais vis do que eu, eis porque eu sou um bufão… é por vergonha, eminente monge, por vergonha.”
Mas a fantasia não pára aí, pois, logo após esta fala ele se ajoelha e Sarraute nos oferece o comentário do próprio narrador dostoyevskiano: “mesmo então é difícil saber se ele brinca ou está emocionado”. O staretz em tom confidencial lhe diz que mentir a si mesmo é ofender-se até experimentar a satisfação, “um grande deleite”. Ora, Sarraute remarca que o velho Karámazovi se aproveita para afirmar haver sido justamente pela estética que ele sentira-se ofendido em toda a sua vida até o deleite, ironizando ao staretz por haver esquecido de que ser ofendido, às vezes, não é somente agradável, mas é belo. Então ele faz mais piruetas e se sai com uma nova tirada de arlequim: “vós credes que eu minto sempre assim e que faço o bufão? Saibam que é expresso para testá-los que representei essa comédia”. E Sarraute encerra sublinhando a frase final que ele interroga ao staretz se havia lugar para a humildade dele junto do orgulho deles.
Neste ponto podemos ver enfim, com Sarraute, que a fantasia é um conceito sociológico essencial; que sem uma apreciação detida e cuidadosa em que se recorre à experiência vivida ou à experiência refletida, à experiência própria ou à de outro, reconhecendo os pensamentos fugidios, os sentimentos sutis e dificilmente perceptíveis, contraditórios, bem como os esboços de apelos tímidos e de recuos jamais um leitor poderia alcançar ao menos uma ínfima parte do que esta passagem da ação dramática em Dostoyevski revelou.
Há portanto uma sociologia do desejo/aspiração, como prece/promessa/juramento, que implica e ultrapassa a noção de consciência possível aplicada na sociologia da literatura por Lucien Goldmann, entendida como noção que dá conta das aspirações tendenciais. Portanto, sendo um fato de valor, o objeto literário deve ser examinado como composto não somente de um elemento de significação (intelectual), mas, igualmente, traz um elemento de jubilo, de relação com o criador, de relação com os leitores, etc.
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NOTA COMPLEMENTAR
(1)  – Em sociologia os valores ideais são dotados da característica de  instrumentos de comunhão e princípios de incessante regeneração da vida  espiritual se afirmando indispensavelmente por meio da afetividade  coletiva. Qualquer valor pressupõe a apreciação de um sujeito em relação  com uma sensibilidade indefinida: é o desejável, qualquer desejo sendo  um estado interior.
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ANEXOS
O INDIVÍDUO, O MUNDO CORPORATIVO E
A CONCORRÊNCIA SUBLIMADA.
A  Concorrência sublimada perde seu efeito de estímulo ou incentivo  deixando em seu lugar as rixas que desgastam as relações interpessoais.  Aliás, um dos aspectos da falta de motivação é que as recompensas  distribuídas nas organizações para estimular a aplicação e o empenho  estão referidas a um quadro em que a concorrência como valor já não  encontra repercussão na experiência. A sociedade liberal clássica  comportava uma interpenetração do aspecto econômico e do aspecto  psicológico.Hoje em dia, o indivíduo-alvo das expectativas de promoções e premiações sabe de antemão que as relações nas hierarquias do mundo corporativo são variáveis e que deve se agarrar às vantagens que consegue. Sobretudo, sabe que o peso específico do indivíduo nas relações empresariais não tem o alcance que teve nas sociedades realmente movidas pela livre iniciativa, desprovidas que eram as empresas dos controles econômicos e financeiros que limitaram a iniciativa no século Vinte.
Sociólogos notáveis que aprofundaram as análises dos processus psicossociológicos da reificação, estudaram as relações interpessoais cotejando a literatura do individualismo e o mundo da economia de mercado. Observando o romance no século XX constatou-se que, no anverso do desaparecimento mais ou menos acentuado do personagem individual com sua busca humana de autorealização e autenticidade nas relações sociais, foi acentuado o reforço da autonomia dos objetos.
Constatação esta que logo faz lembrar a observação de que as estruturas auto-reguladoras da economia de troca (no ápice das quais pontificam os controles de preços, os Bancos Centrais e o sistema do Fórum Econômico de Davos) levam ao deslocamento progressivo do que Lucien Goldmann chamou coeficiente de realidade do indivíduo cuja autonomia e atividade são transpostas para o objeto inerte [Ver: Goldmann, Lucien: Pour une Sociologie du Roman, Paris, Gallimard, 1964, 238 págs. Há tradução em Português].
É claro que o sociólogo tem em conta que, como transposição do coeficiente de realidade do indivíduo para o objeto inerte, a reificação é um processus psicológico permanente, agindo secularmente no âmbito da produção para o mercado.
Além disso, para desenvolver o aspecto concreto das estruturas reificacionais o sociólogo não deixa escapar o mencionado modelo de sociedade liberal clássica como comportando uma interpenetração do aspecto econômico e do aspecto psicológico.
A periodização da sociologia econômica é a seguinte:
(A)-fase da economia liberal se prolongando até o começo do século XX, caracteriza-da por manter ainda a função essencial do indivíduo na vida econômica (e por extensão na vida social).
Nesta fase, a referência sociológica principal é a constatação de que, no âmbito da interpenetração do aspecto econômico e do aspecto psicológico, a regulação da produção e do consumo em termos de oferta e demanda se faz por um modo implícito e não consciente, impondo-se à consciência dos indivíduos como a ação mecânica de uma força exterior.
Desta forma, todo um conjunto de elementos fundamentais da vida psíquica desaparece das consciências individuais no setor econômico, para delegar suas funções à categoria preço, que aparece como uma propriedade nova e puramente social dos objetos inertes, os quais, por sua vez, passam então a guardar as funções ativas dos homens, a saber: tudo aquilo que era constituído nas formações sociais pré-capitalistas pelos sentimentos transindividuais, pelas relações com os valores da afetividade que ultrapassam o indivíduo, incluindo o que significa a moral, a estética, a caridade, a fé. Ou seja, através da oferta e demanda os objetos inertes adquirem a dianteira sobre os sentimentos transindividuais projetados para fora de si.
Daí porque no romance clássico os objetos têm uma importância primordial, mas existem somente por meio do trato que lhe dão os indivíduos.
(B)-Entretanto, essa situação muda na fase dos trustes, monopólios e do capital financeiro, observada no fim do século XIX e, notadamente, no começo do século XX, tornando-se acentuada a supressão de toda a importância essencial do indivíduo e da vida individual na interior das estruturas econômicas.
(C)-Na fase do capitalismo de organização, observado depois dos anos de 1930 pela intervenção estatal impondo os mecanismos de auto-regulação da produção, se constata, em modo correlativo à supressão progressiva da importância essencial do indivíduo, não somente a independência crescente dos objetos, mas a constituição desse mundo de objetos em universo autônomo tendo sua própria estruturação.
Leia mais: O Romance o Individualismo e a Reificação
http://sociologia-jl.blogspot.com/2007/04/view-blog-top-tags.html
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OS CRITÉRIOS DO FATO LITERÁRIO E AS CONDIÇÕES DE UMA SOCIOLOGIA DA LITERATURA.
As dificuldades antepostas a uma sociologia da literatura ligam-se à orientação intelectual do chamado espírito burguês  afirmando a independência total da cultura e da arte em relação às  formas sociais, de tal sorte que a interpretação da arte não estaria  contida na vida social. Daí surge o obstáculo da interdição pela  sociedade. O receio de um efeito literalmente ameaçador da ordem torna o  fato literário negado na sua significação, combatido como pura  fantasia. Distingue-se uma espécie de respeito ao fato literário  envolvendo-o em certo mistério.
Desta atitude provêm duas representações desfavoráveis à sociologia da literatura, seguintes: (a) – uma, a chamada teoria do gênio,  que interpreta a figura do autor em termos do inexplicável e inesperado  no concerto das paixões e dos pensamentos humanos; (b) – outra,  referida à elaboração da obra, é a teoria romântica da inspiração,  do mistério da criação, etc. Além disso, o espírito burguês pode levar  os escritores a não gostarem de se ver integrados pela sociologia (Ver o Artigo de Albert MEMMI     intitulado “Problemas de Sociologia da Literatura”,     publicado como colaboração no Tratado de     Sociologia-Vol. 2, dirigido por Georges Gurvitch., Porto,     Iniciativas Editoriais, 1968 – 1ªedição em     Francês: Paris, PUF,1960).
Pode-se  observar algumas tentativas de pesquisa que, não obstante o pensamento  objetivo, pouco favoreceram a sociologia da literatura. Umas porque  mantiveram a opacidade intocável do fato literário; outras porque  acentuaram a sua redução. No primeiro caso, resume-se a tentativa mais  conhecida que foi a de TAINE, incluindo os seus colaboradores. No  segundo caso, nota-se a tentativa marxista e a psicanalítica. Comenta-se  que TAINE esperava fundamentar uma ciência positivista e determinista  da literatura tomando como motivos de explicação (a) – a descoberta em  cada escritor de uma faculdade mestra; (b) – a gênese dessa faculdade mestra a partir das suas três famosas condições: a raça, o meio e o momento.
O dogmatismo de TAINE é flagrante na analogia com as ciências naturais. No prefácio de sua obra “La Fontaine et ses Fables”, o ponto de vista naturalista vem a ser aplicado ao homem, tomando-o como um  animal de espécie superior que produz as filosofias e os poemas pouco  mais ou menos como os bichos da seda tecem os seus casulos e as abelhas  elaboram os favos (Ibidem).  Quanto aos seus continuadores, se repele o simplismo na aplicação do  dogmatismo de TAINE, questionando-se, sobretudo a abordagem analítica  redutiva na qual a obra literária, tida como mistério inefável e  impenetrável, vem a ser reportada a um fator mais ou menos  arbitrariamente escolhido.
Em  relação à tentativa marxista, por sua vez, se lhe reconhece o mérito  sociológico de empreender a inter-relação do espírito e das suas  produções com os quadros sociais. O primeiro critério de análise  marxista da obra literária é a fidelidade à realidade social. Nada  obstante, a tentativa marxista de reduzir a literatura a um fato de  conhecimento mediante a tipologia das visões de mundo  atribuída a Georges Lukacs, é censurada por ameaçar a especificidade do  fato literário. Ao traçar um método comum a todas as obras de  pensamento tornou-se inevitável por conseqüência desprezar o que  distingue precisamente o fato literário dos outros fatos . Censura  idêntica se aplica à tentativa psicanalítica, em cuja abordagem  necessariamente se tem de partir sempre de uma redução implicando uma  negação da especificidade. Por contra, as condições de uma sociologia da  literatura implicam a distinção entre fato literário e fato de  conhecimento.
O PROBLEMA DAS RELAÇÕES COM A SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO.
Com efeito, já observamos que o fato literário é para uma sociedade um modo de ela tomar consciência de si própria. Daí advem o tabu  que acentua exatamente a especificidade do fato literário e faz  reconhecer no mesmo um fato de valor não confundível com as suas  condições genéticas nem com as suas condições de sobrevivência, nem  tampouco com as intenções do seu criador, nem enfim com as suas  repercussões psicossociais. Aquilo que há na obra literária pelo qual se  chega à afirmação de que a literatura satisfaz certa necessidade cultural não utilitária, ou seja: o valor literário, é inicialmente o elemento que difere um livro de poemas ou um romance de um jornal.
Sem  dúvida, o qualificativo e o valor que ocorrem imediatamente aos  leitores, pelo que eles identificam o fato literário, não é o mesmo para  todos os públicos. A identificação do fato literário seja como romance  ou poema ou ensaio se define também socialmente e não apenas pelo  método, sem que isto impeça tomar-se o valor literário como ponto de  partida da pesquisa sociológica. Tanto é assim que, para Albert MEMMI, a  tarefa específica dessa pesquisa é a sociologia do fato literário, que  este autor qualifica como uma sociologia privilegiada diante do objeto  impresso. No seu dizer, trata-se da sociologia do que é adequado ao fato  literário, do que neste não coincide com outra coisa, não coincide com o  escrito como mercadoria, como produto de transformação, etc.(op.cit.).
Na  busca dessa adequação é que se aprofunda o problema das relações com a  sociologia do conhecimento chegando-se aos seguintes resultados: (a) –  se um fato literário pode nos ensinar certas coisas e se a literatura é  por isso uma das técnicas de comunicação social, o sociólogo deve  precaver-se, entretanto de que é sempre possível uma distorção dos  fatos: as informações dadas pelos escritores não atendem à finalidade de  uma enquête. Quer dizer, (b) – embora possa admitir-se que o autor  tenha a intenção de ensinar-nos certas coisas, as intenções do autor de  obra literária são evasivas ou mudam de rumo no decurso da atividade. O  que diz é quase tão importante quanto a forma de dizê-lo, forma esta que  por sua vez influi sobre o conteúdo do discurso acabando por  transformá-lo.
O  escritor é um fabulador: não diz a verdade e é sempre a verdade que ele  diz… à sua maneira. A distorção é sempre possível, seja em conseqüência  de uma reconstrução imaginativa, por razões de forma ou simplesmente  por ardil (ditado por razões sociais). A finalidade de uma obra  literária não é a mesma de um documento, nada obstante admite-se  possível interpretar as informações dadas pelos escritores considerada a  finalidade estética da obra literária, na qual não se trata de  representar a realidade social – para o que os jornais da época seriam  superiores a todos os romances do mesmo período.
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Utopia Negativa e Monólogo: Notas para a Sociologia da Literatura.
Em Politics, history, portuguese blogs, twentieth century em Dezembro 21, 2008 às 1:51 pmUtopia Negativa e Monólogo: Notas para a Sociologia da Literatura
por
Jacob (J.) Lumier
A utopia negativa de que nos fala T.W. Adorno (1) tomada  como horizonte crítico da cultura burguesa descobre a referência básica  da sociologia literária na pesquisa sobre a ambigüidade do romance como  técnica de comunicação e exige verificar a situação do romance em face  da realidade no momento antirrealista do romance.
Neste  quadro se compreende a arte de Proust.  É preciso pois ter em vista que  o monólogo interior é uma resposta à situação do romance em face da  realidade no momento antirrealista do romance.  Bem entendido: o  monólogo interior como conhecimentos do homem experiente ou  experimentado, suas recordações, e o valor humano exemplar das  lembranças prousteanas que escapam ao sistema e são mais do que  impressões subjetivas.A  arte de Proust serve de contraponto para aprofundar o universo da  utopia negativa, sobretudo serve de referência ou ponto de vista na  desmontagem da ideologia do futurismo, originalmente segregada no bem  conhecido romance de Aldous Huxley “The Brave New World”e, impondo a mensagem de perpetuação do sistema, já integrada na cultura de massa.
Do  ponto de vista da arte de Proust só é possível chegar à recordação pelo  monólogo interior. Personificada em sua realidade humana pelo narrador  prousteano ou mesmo para-além dele, a arte de Proust atualiza o modo de  ser do homme de lettres como  sujeito social de conhecimentos, o homem no exercício experimental de  suas recordações, por esta via vinculado ao Iluminismo e à liberdade de  pensamento.
É  o ponto de vista da recordação que, além de experiência  não-generalizável, se exerce por um proceder experimental, por intenção  tenteadora, a saber: na  medida em que se experimenta como esperança ou desilusão, a recordação  fornece o critério que confirma ou refuta para si mesmo as observações  do sujeito como indivíduo humano.
Tal  o caráter do monólogo interior na arte de Proust, caráter artístico  criado pelo narrador prousteano como homem experimentado. Aliás, em  favor desse entendimento é bom lembrar que a supressão do objeto do  romance em face da reportagem no século XX implica e altera a posição do  narrador que, por diferença do realismo literário do século XIX, não  mais possui a experiência do conteúdo a ser narrado – situação essa  classificada como crise da objetividade literária ou crise da possibilidade de narrar algo especial e particular.
Daí,  da situação do narrador que não mais possui a experiência do conteúdo a  ser narrado, afirma-se a compreensão de que o romance estava obrigado a  romper com o positivo e apreensível e a assumir a representação da  essência como das qualidades humanas.
Além  disso, a supressão do objeto do romance por efeito cultural da  preeminência da informação e da ciência leva à seguinte situação do  romance do século XX: para permanecer fiel à sua herança realista e  continuar dizendo como são realmente as coisas, o romance tem que se  afastar de um realismo voltado para reproduzir apenas a fachada e tem  que promover o equívoco desta. Seu verdadeiro objeto, já vislumbrado no  século XVIII, vem a ser descoberto na contraposição entre os homens  vivos e as petrificadas (ou mumificadas) relações, de tal sorte que a  própria alienação se converte assim para o romance em meio artístico.
O  procedimento narrativo do monólogo interior prousteano mostra-se  conforme a exigência de suspensão da ordem objetiva espacio-temporal  onde predomina a coisificação (2) ,  permitindo ao narrador fundar um espaço interior.
Será  exatamente pela arte do monólogo que o mundo vai sendo arrastado ao  espaço interior assim fundado e todo o externo se apresenta como um  fragmento de interioridade: momento da corrente da consciência  resguardado em face da refutação pela ordem do mundo alheio. Tal é a “técnica micrológica” que T.W. Adorno interpreta ao observar que todo o primeiro livro de Proust -Combray -  não é mais do que o desenvolvimento das dificuldades que tem uma  criança para dormir quando a mãe bonita não lhe deu o beijo de boa  noite.
Portanto,  se descobre em Proust o exemplo de uma maneira de proceder artístico  para o autor literário evitar a pretensão de que, igual a uma reportage,  sabe exatamente“como foi”, a “pretensão de conhecimento”, o gesto e o tom do “foi assim”,  que o romance deve excluir. Daí o elemento da fantasia -“o quimérico” –  na arte de Proust, no seu proceder micrológico, a saber: as significações da unidade do vivo fracionada em átomos.
Mas  não é tudo. A asserção de que a alienação se converte em meio artístico  para um tipo de romance cujo impulso é decifrar o enigma da vida  externa, exige pôr em relevo além da fantasia a ambigüidade do romance  como técnica de comunicação.
Quer  dizer, no estudo da trajetória da ação dramática do romance há um  avanço para a prevalência da relação com o leitor, em que se modifica  seu papel limitado de realizar algo já realizado. Há uma mudança na  técnica da ilusão, pelo que o papel de participar do caráter ilusório do  conteúdo representado vai sendo suprimido na história literária  conforme se passe de Flaubert para Proust, Gide, Thomas Mann ou Musil e  desemboque no que T.W. Adorno chama “reabsorção da distância estética” (Cf. ibidem)
***
NOTAS
(1) – ADORNO, Theodor. W.: “Notas de Literatura”, tradução Manuel Sacristán, Barcelona, EditoraAriel, 1962, 134 pp., ver págs. 109 sq. /// “Prismas: la Critica de la Cultura y la Sociedad”,tradução de Manuel Sacristán, Barcelona, Ariel, 1962, 292 pp. (Original em Alemão: Prismen. Kulturkritikund Gesellschaft. Berlin, Frankfurt A.M. 1955.
(2)  – Isto é a coisificação como a outra face da desmitologização que se  desenrola na base do processus de mediação próprio à sociedade de  produção para o mercado. A separação irreversível da ciência e da arte  está em correlação com a coisificação do  mundo. Por isso, na sociologia crítica da cultura a análise da situação  do romance do século XX leva à assertiva de que na transcendência  estética se reflete o desencantamento do mundo.
©2008 by Jacob (J.) Lumier
Complemento à Page Literatura e Política no Século XX
LITERATURA E POLÍTICA NO SÉCULO VINTE: a aspiração aos valores como afirmação do caráter político na Leitura sociológica da obra literária de James Joyce.
LITERATURA  E POLÍTICA NO SÉCULO VINTE:a aspiração aos valores como afirmação do  caráter político na Leitura sociológica da obra literária de James  Joyce.
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Literatura Digital
Rio de Janeiro, Novembro 2008
No  universo dos surrealistas o sonho não mais conduz para um mundo  mais-além, porém é feito de símbolos esotéricos que somente encarnam  pressentimentos arcaicos e utópicos na realidade estética da cultura.
Nas  análises de Ernst Bloch  a arte e a literatura de avant-garde são  apreciadas desde o ponto de vista dos materiais e procedimentos de  composição em vista de equacionar o problema da objetividade.  Paralelamente aos críticos da cultura, Ernst Bloch dá prioridade ao  expressionismo autêntico e ao surrealismo, vê a experiência da  individuação na modernidade como penetrada pela coisificação, porém,  diferente de T.W. Adorno relaciona a montage ao sonho.Não  que Ernst Bloch se contraponha ao existencialismo ou dê acolhida aos  chamados freudismos do surrealismo. Pelo contrário. A seu ver, as  teorias psicológicas desvalorizam a objetividade em arte. Os elementos  de sonho que Ernst Bloch aborda ultrapassam ou não se limitam a uma  aplicação do inconsciente pecaminoso da psicanálise. Em suas análises,  os surrealistas buscavam originalmente um só objetivo que era o de  introduzir os elementos de decomposição nos interstícios do mundo deste  tempo de modernização, sendo a esses elementos que se aplica a palavra  sonho.
Tais  elementos não são restritos à vida anímica dos indivíduos, mas,  integrando a realidade estética da cultura – realidade aberta – são  passíveis de serem inseridos artisticamente nos interstícios do mundo  contemporâneo (que inclui a coisificação), exatamente como elementos  intrínsecos e fatores endógenos da sua própria decomposição.
Daí  a utilização de Kafka como termo de comparação em torno de um esforço  comum de verificação simbólica e de busca de um mais-além no surrealismo  e na literatura de avant-garde.
Vale  dizer, como o filme mudo que aporta simultaneamente um monte de coisas  inúteis e sonho, nas fontes do surrealismo se distinguem os aspectos  esotéricos dos símbolos que não conduzem mais para um mundo mais-além, e  somente encarnam pressentimentos arcaicos e utópicos que estão  imbricados nas porosidades do mundo contemporâneo que é o deste tempo.
A  compreensão estético-sociológica do surrealismo e da literatura de  avant-garde busca a montage de um espaço contemporâneo fissurado.
Na  obra de Ernst Bloch, que é um pensador da utopia positiva com suas  categorias crítico-históricas em molde teológico imbricadas na  efetividade da interpenetração do arcaico e do histórico na consciência  coletiva, a reflexão da criação poética começa pela constatação do vazio  cultural na situação da distração disseminada com a modernização  acelerada nos anos Vinte.
Desse  modo, caracteriza-se em reflexão de filosofia estética o que os  sociólogos chamam fatiga do simbolismo social e que para o nosso autor,  atento à dicotomia das formas de vida rural-tradicional e  urbano-moderna, exige constatar a ocorrência de símbolos esotéricos,  fechados, obscuros .
Por  este tornarem-se opacos dos símbolos sociais, observa-se que, com a  arte de Kafka, ressurge em feitio estranho a diferenciação e a confusão  entre um mundo absorvido na realidade histórica, por um lado e, por  outro lado, um mundo até então situado no mais-além.
Em  estado de mundo absorvido, nota-se o reflexo de antigos interditos, de  antigas leis e de velhos demônios da ordem, como que a fluírem nas águas  subterrâneas dos pecados e dos sonhos pré-israelitas que afloram à  superfície nos períodos de decadência.
No  espaço do mundo até então situado no mais-além, observado nos romances  de Kafka como Le Chateau ou Le Procés, destaca-se a forma durável de uma  mitologia de dependências insuperáveis, de ordens estamentais estranhas  e longínquas que jamais alguém pode examinar.
Para  Ernst Bloch, essa distinção em dois níveis na realidade histórica da  consciência coletiva no período da decadência da cultura burguesa  ,  revela respectivamente que raramente neste mundo deste tempo os  sentimentos do medo e da piedade foram tão estritamente reaproximados,  sendo a esta confusão de medo e piedade que se buscam os elementos de  decomposição que são ao mesmo tempo os elementos do sonho e aos quais se  refere a compreensão poético-sociológica do surrealismo e da literatura  de avant-garde ou que lhe é afim, como configurações de um espaço  contemporâneo fissurado.
Como  a imagem surrealista de um tumor crescendo no vazio, a busca de  materiais estéticos em meio à confusão de medo e piedade configura um  esforço poético de construção onírica, bem notado em Julien Green,  Marcel Proust, James Joyce.
Lembrando  a imagem surrealista de um tumor crescendo no vazio, se remarca que,  com essa busca de materiais artísticos em meio à confusão de medo e  piedade, trata-se de um esforço poético de construção onírica.
Segundo  Ernst Bloch, esse esforço poético pode ser bem notado em escritores  como Julien Green – elaborando a construção onírica da vida sufocante e  morna que se conserva de parte – ou Marcel Proust, elaborando a  construção onírica da memória na hora ampliada da agonia como o objetivo  de toda uma vida; ou ainda, James Joyce, elaborando por sua vez a  construção onírica da montage, onde se reencontram as ruínas do  presente.
Não  se deve deixar de notar, entretanto que, por detrás dos afundamentos  recortados nessas construções oníricas há o envolvimento pela  obscuridade do vazio cultural no período de decadência da cultura  liberal e do individualismo – de que a confusão dos sentimentos de medo e  piedade dá repercussão.
De  acordo com os comentários de Ernst Bloch , o espaço contemporâneo  fissurado que é pintado nas metáforas de Julien Green corresponde a um  Eu de quem o medo se apossou e que é torturado por seus sonhos. Todavia,  é também o espaço de uma ação desprovida, tornada inteiramente reduzida  a indivíduos privados de toda a comunidade, seres humanos estúpidos  como as bestas que, porém, se tornam grandes como os afrescos ou como as  paisagens, pois cada um dentre eles representa uma paixão.
Então,  só há paixões solitárias, só há, seduzindo, o destino disfarçado desta  paixão. Não há saída alguma.  A sedução, o enfeitiçamento é compacto e  suga inteiramente seus suportes humanos. Nesse espaço contemporâneo  pintado poeticamente por Julien Green reina um odor de folhas mortas,  cheira a cômodos trancados cujos ocupantes parecem jamais sair.
Quanto  ao espaço contemporâneo fissurado em Proust, em virtude da finesse e da  micrologia em sua mirada que a tudo recolhe, parece mais saliente o que  Ernst Bloch chama sonho no objeto, designando a qualidade poética ou o  foco irradiador das imagens e das metáforas literárias.
Em  Proust, compõe-se um espaço cujas imagens só se desdobram aprés-coup,  em seus mosaicos não-euclidianos da agonia; um espaço curvo acima de um  Eu que vê decorrer a sua própria vida e a vida exterior; um Eu que  apreende com extrema acuidade o que está perdido; que põe por escrito a  caída de um mundo em declínio: caleidoscópio de grandes damas, belos  senhores, aventureiros: les héros du déluge.
Tudo  parece real nesse espaço proustiano, e tudo contém os interstícios onde  se aninham as metáforas. Destaca Ernst Bloch que são metáforas tiradas  de esferas decaídas, sejam estas as mesas dos restaurantes, sejam os  planetas como o sol – designado a suntuosa e milenar múmia desembaraçada  de todas as suas ataduras -, nas quais a regra da vida social virou  liturgia.
Nesse  espaço contemporâneo proustiano, a personalidade é desagregada em  “inumeráveis Eu” que não sabem coisa alguma uns dos outros, mas cujos  mundos se recortam.
Quanto  ao comentário de Ernst Bloch sobre o espaço contemporâneo fissurado em  Joyce, sobressai de início a imagem surrealista de uma boca sem Eu, em  meio à decomposição que atinge a própria língua, desprovida esta de toda  a forma pronta e acabada, logo, aberta e confusa.
As  palavras estão em disfunções, perderam sua inserção ao serviço do  sentido. O que de ordinário fala, o suposto sujeito que faz de narrador,  brinca com as palavras em momentos de fatiga, nos silêncios da  conversação ou no falar sem dizer dos seres sonhadores e instáveis que  povoam a suposta narrativa.
Segundo  Ernst Bloch, deve-se apreciar a montage no Ulysses, de Joyce, como um  work in progress: simultaneamente atelier e criação. Atelier que, porém,  não está acima, mas também faz parte da decomposição.
Vale  dizer, a língua observa as regras gramaticais, mas não segue em  absoluto as regras da lógica do seu tempo. Na montage no Ulysses de  Joyce a língua tanto se recorta como um copo quebrado em pedaços, tanto  se cristaliza como em um caleidoscópio em movimento, ou circunda  estreitando a ação no feitio das cintas.
A  compreensão que se tem da língua na narrativa de Joyce é de que ela  deve ter sua origem na relação primária, sonora e imaginada; que ela  deve ter seu sentido na liberação e na captação da vida inconsciente. É  isto o que desperta a língua para a vida: as palavras recobrindo seu  valor pré-lógico.
Sem  dúvida, como já remarcou Georges Lukacs em seus ensaios sobre Thomas  Mann, a atitude de Ernst Bloch para com a obra de James Joyce é de  apreciação admirada. Tanto é assim que, priorizando em arte o resgate  onírico da antiga cultura e da Escolástica medieval, Ernst Bloch  minimiza qualquer postura prévia na leitura de Joyce.
Deste  ponto de vista, se quisermos compreender o sintoma e o símbolo que se  considera como representando a obra joyceana, pouco importa saber se  Joyce obteve êxito, se a sua empresa de embrutecimento dos personagens  tivera jamais alcançado o enlevo do poema; pouco importa se em maneira  geral é Joyce um autor sério ou o mercador de uma não-idéia impensável,  nebulosa da rememoração burguesa da terra após a morte da terra, após  uma catástrofe cósmica.
Segundo  Ernst Bloch, tampouco é importante saber se Ulysses confirma ao menos a  lógica de um mundo decaído e opaco, mesmo sem projetar no porvir a luz  de uma reviravolta transparente.
Com  certeza, o estilo de Joyce em Ulysses corresponde a um mundo sem  controle, e acolhe como fermento a desagregação, que se compõe de início  como a desagregação do Eu no monólogo interior, e depois, como a  desagregação da coerência burguesa dos objetos.
Aliás,  na apreciação crítica segundo Ernst Bloch, deve-se sublinhar a  particularidade do monólogo em Joyce, que não mais deixa intacta e  reconhecível a pessoa na permanência do Eu.
Quer  dizer, nas anteriores composições do monólogo em outros autores a  pessoa conservava ainda muitas coerências de superfície perfeitamente  conscientes, muitas coberturas morais. Em Joyce pelo contrário: aqui a  pessoa deixou de ter inclusive o Eu como testemunha.
O  corpo daquele que fala quase desapareceu, o corpo que encerrava a  linguagem, liberando assim um dilúvio anônimo. Segundo os comentários de  Ernst Bloch, trata-se de uma linguagem em tal torrente nua e impudica,  sem retoques e sem barragens que todos os naturalismos de antes se  reduzem em comparação com uma cerimônia de Corte.
Assim,  como jatos de vapor re-ascendentes do inconsciente, nascem nessa  linguagem liberada as criações de palavras dementes, preenchendo os  abissais, os tesouros sem dono, os abismos dos seres ordinários  habitantes da obra joyceana. E Ernst Bloch chamará a atenção sobre essas  criações dessas palavras dementes, notando que se exprimem sobretudo na  arquitetura de um romantismo, que pela primeira vez consegue reunir as  maneiras de dizer múltiplas em uma só.
A ação se desenrola entre o diálogo interior, o mundo de baixo, o mundo oblíquo e o mundo de cima
►Prosseguindo  a análise da montage no Ulysses de Joyce, e sustentando o ponto de  vista da objetividade em arte, Ernst Bloch alerta para a referência de  um diálogo interior que diz tudo o que o indivíduo recebe pelos  sentidos, de tal sorte que a ação se desenrola entre o diálogo interior,  o mundo de baixo, o mundo oblíquo   e o mundo de cima, que estão também  em contato muito estreito, carnal.
O  lugar e objeto da ação em Ulysses é uma jornada na vida de pessoas sem  importância, ação tão fluida esta cujo lugar-objeto bem poderia ser não  uma, porém muito mais do que mil e uma jornadas e mesmo um omnia ubique  ou um todo que é por todas as partes em uma minúscula noz.
A  obscenidade, a crônica, o contar estórias, a escolástica, o magazine, a  gíria, Freud, Bérgson, o Egito, a árvore, o homem, a economia, a nuvem  se afundam e reaparecem nesse rio de imagens, se misturam, se  interpenetram em uma desordem que, não obstante o caos, desde então  busca sua forma não mais em Prometeu, porém sim em Proteu, o  embaralhador da natureza em fermentação .
Incluindo  a fantasia, há uma dinâmica furtiva da expressão no Ulysses de Joyce a  que Ernst Bloch chama cinética verbal, equiparável a um movimento  puramente musical.
Quer  dizer, na estética sociológica como ponto de vista da objetividade em  arte, há o que em seu relativismo crítico Ernst Bloch chama um murmúrio  de leitmotif animando obliquamente, de soslaio, a superfície do texto  joyceano. Em modo mais amplo, incluindo a fantasia, trata-se de uma  dinâmica furtiva da expressão no Ulysses de Joyce, a que Ernst Bloch  chama cinética verbal, equiparável a um movimento puramente musical.
Por  outras palavras, ao feitio de inúmeras sinfonias pós-wagnerianas, se  notariam nessa obra joyceana certos motivos que prefiguram também em  maneira profética sua forma futura. Todavia, lembrando a  transversalidade do espaço contemporâneo fissurado, se notaria  igualmente outros motivos que tentam inversamente se desprender de um  interior passado da terra e dar aprés-coup informações a seu respeito,  misturando tumbas, erudição, rememoração, pornografia e mitologia.
Traçando  assim as grandes linhas inscritas na composição do Ulysses de Joyce,  Ernst Bloch observa que a montage do espaço contemporâneo fissurado, por  mais artificial que seja, ou se transforma em uma grande migração dos  objetos eles mesmos ou vem a ser a sombra de uma metamorfose artística   , o que se consegue compondo seres voluntariamente ordinários e  indiferentes, mas seres completos, para quem coisa alguma é estranho;  que, sem vírgula, falam ao infinito, e, sem conhecimento, fazem  digressões a perder de vista.
Nessa  montage em dupla escala – grande migração dos objetos eles mesmos e  sombra de uma metamorfose artística – nota-se a analogia do gênero épico  ou, no dizer de Ernst Bloch, reencontra-se a cada instante a Odisséia  que é outorgada ao homem, atualizada nas vinte e quatro horas que duram  as cenas.
Estão  lá desde os pretendentes da Penélope, como aqueles da senhora Bloom;  passando pela cena da princesa Nausicaa, na qual o senhor Bloom se  avista com três moças na praia; chegando até à situação correspondente à  cena do cyclope, isto é, a situação no Cabaret obscuro, com o senhor  Bloom fazendo-se o discursador e com o nacionalista zarolho como o  cyclope, que o atira para fora do antro.
Ao  parecer de sociologia, Ernst Bloch nos sugere que a montagem do espaço  contemporâneo fissurado em Joyce compreende, no simbolismo decomposto e  sem coerência, a distinção de um mundo absorvido e de um mundo que até a  modernização e o crescimento industrial fora situado no mais-além,  ambos ressurgindo em feitio estranho na vida deste mundo deste tempo.
Desse  modo, a dinâmica furtiva de expressão dessa montage por analogia do  gênero épico está a oscilar: sendo descendente para a desordem no mesmo  feitio em que se eleva de soslaio.
***
Essa  constatação da presença da Odisséia na concepção de obra literária em  Joyce significa que na leitura do Ulysse são atualizadas todas as  referências sociológicas, históricas e políticas básicas aplicáveis à  criação do gênio poético helênico.
Vale dizer, são aplicáveis notadamente os critérios da aspiração aos valores como afirmação do caráter político.
Com  efeito, como se sabe, dentre os relatos épicos da antiguidade clássica  admite-se na leitura da Odisséia um interesse diferenciado mais positivo  do que a Ilíada. Se esta retrata a ambiência de conquista, a epopéia de  Odisseo acentua a aspiração aos valores como atitude afirmativa do  caráter político.
O  caráter humano é afirmado constantemente na medida em que, seguindo as  orientações de Atenéa e das divindades que o protegem da ira de Poseidon  – quem não permitia a libertação de Odisseo da Ilha de Calipso por ter o  herói vencido o gigante Polifemo – o herói toma precauções e exerce  astúcias para prover sua condição humana diante dos obstáculos.
O  relato deixa ver que, direcionada para vencer os obstáculos, a  liberdade humana é exercida no esforço de realização do herói que aspira  reingressar em seus domínios e reencontrar a mulher que lá o aguarda –  neste primeiro plano a Odisséia é composta da travessia de Odisseo em  meio às tormentas para alcançar e reassumir Ítaca e ali reencontrar  Penélope.
Dentre  os outros aspectos compostos juntamente com a compreensão do caráter  humano, a imagem da Odisséia como fonte para os modelos de civilização  nas sociedades históricas perpetuou-se devido à figuração da idéia de  sociedade política afirmada na convicção que outorgava o maior valor à  descendência dos heróis e tornava seu domínio inacessível a terceiros.
Além  da sequência final com a reentrada avassaladora do herói recuperando o  mundo que lhe pertencia, todo o relato é penetrado por essa convicção  acentuada desde as seqüências iniciais com a atuação de Telêmaco, filho  de Odisseo, que contestava o costume tribal desagregador permitindo aos  mortais comuns apossarem-se dos domínios deixados pelo herói  desaparecido e desposarem sua mulher.
A  Odisséia dá forma e figura à idéia de que a unidade política conseguida  em A Ilíada em torno dos heróis devia ser consolidada mediante a  perpetuação da presença desses heróis e para isso o relato afirma o  respeito à descendência e domínios dos heróis, põe em questão, condena e  pune os costumes alheios ou contrários a essa consciência moral pela  primeira vez manifestada em obra de texto na história.
Aliás, a comunidade moral é afirmada em perspectiva no papel de Telêmaco buscando apoio junto aos outros heróis retornados.
Seja  como for é inegável que o valor da literatura para a civilização tem na  Odisséia sua referência máxima, inclusive a idéia de que o texto da  escrita inteligente tem serventia indispensável para esclarecer sobre  procedimentos e regras da vida em sociedade e crítica dos costumes e  crenças, confirmando enfim que, nas sociedades históricas, o  conhecimento não é separável da mitologia.
***
[1]  James Joyce (1882 – 1941): Ulysse, 1922. Edição em língua portuguesa:  Ulysses, 11ª edição, tradução de Antônio Houaiss, Editora Civilização  Brasileira, Rio de Janeiro, 1966.
[2] Cf.. Bloch, Ernst: Héritage de ce Temps, tradução de Jean Lacoste, Paris, Payot, 1978, 390 pp.
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