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vendredi 7 mars 2008

Servirá Camus para o estudo do suicídio? Notas sobre a análise crítica de Nathalie Sarraute.




Servirá Camus para o estudo do suicídio? – Parte Primeira.
Notas sobre a análise crítica de Nathalie Sarraute.

Por Jacob (J.) Lumier



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Este artigo visa contribuir com o estudo das relações humanas em referência à compreensão de que o problema da falta de motivação e a indiferença têm componentes críticos que relevam da condição do homem na civilização da maquinaria.

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Em Albert Camus, a análise do fato literário põe em relevo por baixo da conduta insensível e indiferente de personagem a ocorrência daquele elemento do
chamado romance psicológico designado por Proust como “o fundo extremo das nossas impressões autênticas”.
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Haveria uma crise do chamado romance com orientação psicológica, supostamente ultrapassado e impossibilitado de falar ao homem moderno, inteiramente absorvido este pela e na civilização da maquinaria.

A crença nesta imagem do homem moderno nega a possibilidade de que o romance seja elaborado com base em procedimentos tidos como análise psicológica, a exemplo do monólogo interior de Proust.

A convicção voltada para buscar o fundo da nossa impressão autêntica não mais encontraria referência no homem moderno, o qual então desmentiria a idéia de que existe tal fundo.

Segundo o modelo do Homo Absurdus, supostamente tratado na obra de Kafka como excluindo toda a possibilidade de impressões em um sujeito humano, o homem moderno não seria coisa alguma d’outro senão o que dele aparece ao exterior, a saber, o torpor inexpressivo e a imobilidade de seu rosto quando ele se abandona a ele mesmo não encobriria movimentos ou estados interiores, em modo tal que o tumulto do silêncio aparente notado em sua alma pelos escritores do chamado romance psicológico nada mais seria que somente silêncio.

Segundo Nathalie Sarraute (Ver: SARRAUTE, Nathalie: “L’Ére du Supçon”, Paris, Gallimard, 1956; publicado originalmente in “Les Temps Modernes”, Outubro, 1947), o enfoque pelo esquema do Homo Absurdus nos mostraria o substrato da consciência do homem moderno como trama ligeira de opiniões convencionadas recebidas como tais do grupo a que ele pertence.

Todavia, os clichês assim repetidos, por sua vez, encobririam eles mesmos a um Nada profundo, uma quase ausência de si mesmo.

Para Sarraute, menos que uma tendência predominante nos temas literários levando a definir o romance como gênero, a ausência é sobretudo um aspecto da imagem que resume o universo simbólico de Kafka tomado nas antípodas de Dostoyevski.

Mas não é tudo. Nesse enfoque pelo Homo Absurdus o elemento psicológico da consciência, o foro íntimo, a inefável intimidade consigo, fonte de tantas decepções e penas deixa de existir.

Sob o aspecto mais sociológico, Sarraute observa que a crença nessa imagem absurda do homem moderno configurou também a expectativa de uma corrente de opinião desejosa de que o romance europeu tirasse proveito das novas técnicas do cinema e fosse feito em maneira mais acessível, modesta, com a simplicidade do que nos anos cinqüenta chamou-se jovem romance americano (Steinbeck), reduzindo-se o objeto literário ao elemento puramente descritivo e à narrativa exterior, sem proveniência nas impressões de um sujeito humano.
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Segue Parte Segunda.

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Nas contradições e inverossimilhanças de que provêm o mal estar na leitura de L’Étranger, de Albert Camus, a análise do fato literário põe em relevo por baixo da conduta insensível e indiferente de personagem a ocorrência daquele elemento do
chamado romance psicológico designado por Proust como “o fundo extremo das nossas impressões autênticas”.
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L’Étranger, de Albert Camus, além de não excluir o elemento de fantasia característico do romance psicológico, pelo contrário o afirma e o exige.

Com efeito, pela abordagem personalista exercida por Nathalie Sarraute em seu mencionado ensaio de crítica, nota-se na leitura de L’Étranger que o nada interior do personagem é-nos apresentado pelo procedimento clássico do monólogo interior e não por uma narrativa exterior, como seria de esperar de um romance sob o modelo do Homo Absurdus.

O estrangeiro camuniano Meursault é em relação a ele mesmo como se um outro o visse e falasse dele; “ele é tanto mais si quanto ele parece pensar menos, sentir menos, ser cada vez menos íntimo consigo”. Revela-se “um homem cujos sentimentos e reações psicológicas que ele busca alcançar nele mesmo ele em si não os encontra: ele só encontra a visão absolutamente semelhante àquela que os outros podem ter de seus próprios comportamentos” (apud Sarraute, ib.págs. 23/4).

Analisando a cena do sepultamento da mãe de Mersault, nossa autora observa que, por um lado, acontece do personagem encontrar nele mesmo alguns dos pensamentos fugidios, sombrios e tímidos descobertos na fantasia do romance psicológico como “deslizando com a rapidez furtiva dos peixes”, a saber: o pensamento do prazer que lhe proporciona uma bela tarde passada no campo; o pensamento do lamento do passeio que esse enterro lhe obrigou a faltar, ou a lembrança do que ele habitualmente fazia àquela hora matinal.

Por outro lado, em contrapartida, Sarraute sublinha que todo o sentimento ou pensamento tocando de perto ou de longe a sua mãe, inclusive o desgosto parece ter sido radicalmente suprimido daquela consciência limpa e preservada: nenhuma lembrança envolvida nas impressões de infância; nenhum fio desses sentimentos que sentem escorregar neles os que se consideram bem protegidos contra as emoções convencionais e as reminiscências literárias.

Mas a análise do fato literário que nos oferece Sarraute a respeito do romance L’Étranger, de Camus, aprofunda nas contradições e nas inverossimilhanças de que provém o mal estar provocado por esta obra.

Assim, se a consciência de Meursault trai um estado de anestesia comparável ao dos que padecem “os sentimentos do vazio” e só conseguem pronunciar frases tais como “todos os meus sentimentos desapareceram...”; “as pessoas como as coisas, tudo me é indiferente...”; “posso fazer todos os atos, mas fazendo-os não tenho mais alegria nem pena...”; “sou uma estátua viva, me é impossível ter por alguma coisa uma sensação ou um sentimento...”.

Se como dizíamos tal personagem pode acomodar este discurso patológico do vazio, Meursault revela por outra via um refinamento do gosto, uma delicadeza rara que Sarraute aprecia no estilo em que ele se exprime diferenciando-o do herói gritão de Steinbeck nas seguintes falas monologais: “ela inclinou sem sorrir sua face ossuda e alongada...”; “eu estava um pouco perdido entre o céu azul e branco e a monotonia das cores preto viscoso do asfalto espalhado, preto suave dos hábitos, preto laqueado do automóvel...”.

No mesmo diapasão Sarraute destaca a maneira poética de Meursault referindo-se aos jogos delicados de luz e sombra e as nuances cambiantes do céu; destaca que ele se lembra do sol transbordante que faz estremecer a paisagem bem como lembra de um aroma de noite e de flores; destaca que ele ouve uma planta elevada lentamente como uma flor nascida do silêncio.

Mostrando-nos os detalhes que retêm a atenção de Meursault, nossa autora põe em relevo o contraste entre, por um lado, a ingenuidade e a inconsciência dele ao revelar que o verdadeiro, o constante modo do homem é um “Eu não penso, Eu não tenho coisa alguma a pensar” e, por outro lado, o caráter esclarecido da advertência por ele afirmada de que todos os seres sãos desejaram mais ou menos a morte dos que amavam.

Por tal advertência, Sarraute sustenta que a tal personagem acontece de lançar algumas pontes para as zonas interditas.

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Segue Parte Final
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A fantasia é um conceito sociológico essencial. Sem uma apreciação detida e cuidadosa em que se recorre à experiência vivida ou à experiência refletida, à experiência própria ou à de outro, reconhecendo os pensamentos fugidios, os sentimentos sutis e dificilmente perceptíveis, contraditórios, jamais um leitor poderia alcançar ao menos uma ínfima parte do que a ação dramática nos romances psicológicos revela.
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Há exagero em pretender-se descrever do exterior o objeto literário e acreditar ao leitor uma suposta extraordinária capacidade intuitiva, uma ilusão ou sensação de reviver nele a ação, ao mesmo tempo em que se priva o personagem de toda a capacidade interior, tal como representado na refutada teoria de um choque elevando uma suposta alma sensível.

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Sem dúvida, ao evidenciar as contradições e inverossimilhanças de que provêm o mal estar na leitura de L’Étranger, a análise do fato literário desenvolvida por Nathalie Sarraute é orientada para enfocar a manifestação pela qual o herói de Camus ele próprio alcança o sentimento de que, na sua fala monologa, “alguma coisa há tocado (nele)” e “derrama... todo o fruto do (seu) coração”.

Quer dizer, Sarraute põe em relevo em Camus, por baixo da conduta insensível e indiferente de seu personagem, a ocorrência daquele elemento do chamado romance psicológico designado por Proust como “o fundo extremo das nossas impressões autênticas”.

E nos apresenta as seguintes frases de Meursault: “... eu tinha o ar de ter as mãos vazias. Mas eu estava seguro de mim, seguro de tudo... seguro de minha vida e dessa morte que iria vir... eu tivera razão, eu tinha ainda razão, eu tinha sempre razão...”.

“Que me importava a morte dos outros, o amor de uma mãe, que me importavam... as
vidas que a gente escolhe, os destinos que a gente elege, posto que um só destino
devia me eleger eu mesmo e comigo os milhares de privilegiados...”. “Todo o
mundo era privilegiado... não havia que os privilegiados...”. “Os outros também
se lhes condenará um dia”(L’Étranger, apud Sarraute, op.cit, pp.25 a 29) .

É o fim do mal-estar, exclama nossa autora. Essa libertação do herói de Camus pela tomada de consciência do reencontro em foro íntimo de seu destino é igualmente a libertação do leitor atento.

Desta forma, a caracterização do tipo literário de tal personagem pode enfim ser posta em relevo, bem esclarecido o mal-entendido igualmente refutado por Sarraute em considerar Meursault o protótipo europeu do homem novo imaginário debulhado do elemento psicológico e apreendido por uma descrição feita unicamente do exterior que, a exemplo do herói do chamado jovem romance americano personificado em Steinbeck esperava-se nele visualizar –como houvera desejado Maurice Blanchot.

Para Nathalie Sarraute, o personagem Meursault, “um jovem empregado tão simples e tão rude” revela uma atitude que, embora pudesse lembrar em certos momentos “o negativismo cabeçudo de uma criança enfadada”, significava uma tomada de partido resoluta e altiva, “uma recusa desesperada e lúcida”, “um exemplo e talvez uma lição”.


Comparável aos verdadeiros intelectuais, Sarraute arrola os traços que o caracterizam, seguintes:
(a)– o cultivo da sensação pura, exercido com frénésie voluntária; (b) – seu egoísmo
muito consciente, fruto de certa experiência trágica que ele reportou graças a (c) –
sua sensibilidade excepcional; (d) – um sentimento agudo e constante do nada.

Desta forma, nossa autora conclui esta análise do fato literário afirmando a proximidade do “L’Étranger”, de Albert Camus, ao “L’immoraliste”, de
André Gide.
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Sem dúvida, essa análise de Nathalie Sarraute desdobra claramente uma orientação sociológica levando à explicação especificamente literária do por que se buscou um modelo para o romance na imagem do Homo Absurdus, esclarecendo estar essa busca intimamente em correlação com o interesse de desenvolvimento de um tipo de romance associado às técnicas do cinema. Se na primeira parte de seu ensaio esta autora examina e refuta a possibilidade de aplicação daquela imagem ao célebre e consagrado romance de Camus, na segunda parte nos apresentará igualmente o exame e a contestação de que a imagem do Homo Absurdus tal como tirada da obra de Franz Kafka seja contraposta a Dostoyevski.

***
Sobre a importância política de Albert Camus ler em Le Monde 24.11.09 o seguinte artigo:
Monsieur le Président, devenez camusien !, par Michel Onfray

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