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mardi 27 mai 2008

Estruturas Econômicas e Forma Romanesca


Estruturas Econômicas e Forma Romanesca

Por

Jacob (J.) Lumier

EPÍGRAFE

Na sociologia da forma romanesca, para saber como se faz a ligação entre as estruturas econômicas e as manifestações literárias em uma sociedade em que esta ligação tem lugar no exterior da consciência coletiva deve-se observar a ação convergente de quatro fatores diferentes.

A sociologia do romance mais diretamente voltada para a arte e literatura de avant-garde ultrapassa a tentativa tradicional de mostrar que a biografia e a crônica social constitutivas do romance em sua fase mais antiga refletiam mais ou menos a sociedade da época. Admite-se a inovação pela qual passa-se a investigar a relação entre a forma estética romanesca ela mesma e a estrutura do meio social no interior do qual ela se desenvolveu.

A hipótese desenvolvida por Lucien Goldmann a respeito disso enuncia que a forma romanesca é a transposição no plano literário da vida cotidiana na sociedade individualista de produção para o mercado e que existe uma homologia rigorosa entre a forma literária do romance, por um lado, e por outro lado a relação cotidiana dos homens com os bens em geral e com os outros naquela sociedade.(Ver Goldmann, Lucien: Pour une Sociologie du Roman, Paris, Gallimard, 1964, 238 págs.).

O esquema psicossociológico desta situação põe em relevo o advento do valor econômico de troca alterando as formas sociais pré-capitalistas em que a produção era conscientemente regida pelo consumo futuro, pelas qualidades concretas dos objetos, por seu valor de uso. Desta sorte, na medida em que se verifica na sociedade produtora para o mercado, a ligação entre as estruturas econômicas e as manifestações literárias passaram a ter lugar no exterior da consciência coletiva .

Vale dizer, na relação cotidiana dos homens com os bens em geral e com os outros em uma sociedade individualista de produção para o mercado observa-se a supressão no plano da consciência dos homens da relação aos valores de uso, a qual no dizer de Lucien Goldmann passa por uma redução ao implícito por efeito da mediação do próprio valor de troca.

Visando pôr em relevo que a ligação entre as estruturas econômicas e as manifestações literárias tem lugar no exterior da consciência coletiva, esse autor faz uma comparação do comportamento econômico dos indivíduos em uma sociedade produtora para o mercado, por um lado, e por outro lado nas outras formas de sociedade anteriores, dizendo-nos que nestas últimas a estrutura mental da mediação não é observável já que a economia é considerada natural. Quando um homem precisava de um vestimento ou ele o produzia ele-mesmo ou o demandava a um indivíduo capaz de produzi-lo, o qual, por sua vez, fosse em virtude de certas regras tradicionais, fosse por razões de autoridade ou de amizade ou ainda, fosse em contrapartida de certas prestações devia ou podia lhe fornecer tal vestimento.

Por contra, nas sociedades de mercado, quando se quer obter um vestimento importa conseguir o dinheiro necessário a sua compra. Por exemplo: o produtor de roupas é indiferente aos valores de uso dos objetos que ele produz. Aos seus olhos estes não passam de um mal necessário para obter aquilo que unicamente lhe interessa: um valor de troca suficiente para assegurar a rentabilidade de sua empresa. Daí se nota a mediação como substitutivo de toda a relação ao aspecto qualitativo dos objetos e dos seres, caracterizando o predomínio da relação aos valores de troca, quantitativos.

Nada obstante, é fato que tal mediação não suprime totalmente os valores de uso da consciência coletiva dos homens, permitindo-se Lucien Goldmann sublinhar que o caráter dos valores da vida econômica comporta um paralelo com o caráter dos valores perquiridos na forma romanesca, a saber: os valores de uso tomam um caráter implícito exatamente como o caráter dos valores autênticos no mundo do romance.

Para acentuar tratar-se de uma homologia rigorosa, Lucien Goldmann toma por um fato principal de sua análise psicossociológica que, como consumidor último oposto no ato mesmo da troca aos produtores, todo o indivíduo na sociedade produtora para o mercado se encontra em certos momentos da jornada em situação de vislumbrar os valores de uso qualitativos que ele não pode alcançar a não ser pela mediação dos valores de troca. Se tivermos em consideração que os criadores no domínio da cultura são os indivíduos que permanecem orientados essencialmente para os valores de uso poderemos alcançar a evidência de que a criação do romance como gênero literário não tem coisa alguma de surpreendente.

A respeito dessa situação são observados dois aspectos seguintes: (a) – se levarmos em conta que a vida econômica no plano consciente e manifesto se compõe de gente orientada exclusivamente para os valores de troca constataremos que os criadores de cultura, como indivíduos ligados à produção, por permanecerem orientados essencialmente para os valores de uso não somente se situam por isso à margem da sociedade, mas se tornam o que na sociologia de Goldmann se chama indivíduos problemáticos; (b) – nada obstante admite-se como ilusão romântica supor uma ruptura total entre a vida interior e a vida social, mesmo a respeito da situação desses indivíduos problemáticos já que, como criadores de cultura, não poderiam eles destacarem-se da degradação que sofre sua atividade criadora na sociedade produtora para o mercado, desde o momento em que essa atividade se manifesta exteriormente nos quadros, nos livros, no ensino, na composição musical, etc. as quais desta maneira passam a desfrutar de um certo prestígio, por via do qual adquirem um preço.

Quer dizer, a criação do romance, sua forma complexa ao extremo é a forma na qual vivem os homens os dias todos ao serem compelidos a buscar toda a qualidade, todo o valor de uso, por um modo inautêntico através da mediação da quantidade, do valor de troca. Complexidade esta acentuada pelo fato de que todo o esforço para se orientar diretamente aos valores de uso não engendra senão os indivíduos também como inautênticos, embora sob um modo diferente, que é o do indivíduo problemático.

Para Goldmann essa análise psicossociológica esboçada prova que as duas estruturas – a da forma ou gênero romanesco e a da troca econômica competitiva – mostram-se tão rigorosamente homólogas que é possível falar de uma única e mesma estrutura que se manifestaria em dois planos diferentes.

Mas não é tudo. Restam ao menos dois problemas importantes: o da sociologia da obra como veremos adiante, que em Goldmann subordina-se à sociologia do conhecimento; e o problema específico da sua sociologia do gênero romanesco, que é o de saber como se faz a ligação entre as estruturas econômicas e as manifestações literárias em uma sociedade em que esta ligação tem lugar no exterior da consciência coletiva.

Em acordo com esse autor, devemos observar a ação convergente de quatro fatores diferentes.

O primeiro fator põe em relevo que a categoria da mediação ao surgir no pensamento dos membros da sociedade burguesa traz consigo a tendência implícita a substituir esse pensamento por uma falsa consciência total, que Goldmann esclarece como sendo um modelo de orientação no qual o valor mediador se torna valor absoluto e onde o valor mediatizado desaparece inteiramente.

Tendência-limite esta que se realizaria praticamente na propensão a fazer do dinheiro e do prestígio social os valores absolutos e não mais simples mediações dando acesso aos outros valores de caráter qualitativo.

O segundo fator de ligação entre as estruturas homólogas é o que mencionamos há pouco, ou seja: a subsistência dos indivíduos tidos como problemáticos por exercerem um pensamento e um comportamento que permanece orientado para os valores qualitativos, sem que lhes seja facultado subtraírem-se à existência da mediação inautêntica cuja ação geral no conjunto da estrutura social-econômica a nova sociologia do romance põe em destaque.

Assim se incluem dentre os indivíduos problemáticos todos os criadores, escritores, artistas, filósofos, teólogos, homens de ação, etc. cujo pensamento e comportamento são regidos antes de tudo pela qualidade de sua obra –embora como já o mencionamos não possam eles escapar inteiramente à ação do mercado e à acolhida da sociedade reificada.

O terceiro fator compreende um aprofundamento envolvendo a situação dos romancistas em uma conjectura sobre a probabilidade do gênero romanesco. Inicialmente, Goldmann considera estabelecido que nenhuma obra importante pudera ser a expressão de uma experiência puramente individual.

Daí a pesquisa para descobrir a atitude de um conjunto ou grupo social cuja subjetividade pudera haver segregado a energia para a criação cultural do gênero romanesco.

Neste sentido, a conjectura goldmanniana afirma a probabilidade de um descontentamento afetivo não conceituado (ou não representado na percepção coletiva) seguinte: a ocorrência verificável de uma aspiração afetiva à mirada direta dos valores qualitativos que seria observada como se desenvolvendo seja no conjunto da sociedade burguesa, seja talvez unicamente entre as classes médias –sendo no interior destas últimas que são recrutados a maior parte dos romancistas.

Quanto ao quarto e último fator para a ligação entre as estruturas econômicas e as manifestações literárias em uma sociedade em que esta ligação tem lugar no exterior da consciência coletiva deve-se levar em conta algumas observações sobre a origem do elemento de biografia que é constitutivo do romance e a contradição que o limita.

Com efeito, o quarto fator da ligação entre as estruturas homólogas se observa não só em decorrência do fato (a) – de que a biografia individual no romance provém dos valores do individualismo liberal ligados às necessidades mesmas do mercado concorrencial (liberdade, igualdade, propriedade, tolerância, direitos do homem, desenvolvimento da personalidade, etc.); mas (b) – de que no desenvolvimento do romance tal categoria da biografia individual tomou a forma do indivíduo problemático a partir (b1) - não só da experiência pessoal dos indivíduos problemáticos distinguidos na vida da sociedade burguesa, mas (b2) - da própria contradição interna entre o individualismo como valor universal engendrado pela sociedade burguesa e as limitações importantes e peníveis que essa sociedade aportava em realidade ela mesma às possibilidades de desenvolvimento dos indivíduos.

Goldmann admite que o bom fundamento dessa hipótese sobre a ligação das duas estruturas homólogas é confirmado ao se considerar o paralelismo entre, por um lado, a transformação da vida econômica tal como notada no fim do século XIX e início do século XX pela substituição da economia de livre concorrência dando lugar a uma economia de cartéis e monopólios, suprimindo a função do indivíduo, e por outro lado a transformação paralela da forma romanesca que desemboca na dissolução progressiva e no desaparecimento do personagem individual, do herói.

De acordo com Goldmann, essa transformação no desenvolvimento da forma romanesca dá lugar (a) – às tentativas de substituição da biografia como conteúdo da forma romanesca pelas idéias de comunidade e de realidade coletiva (instituição, família, grupo social, revolução social, etc.); (b) – ao abandono de toda a tentativa de substituir o herói problemático e a biografia individual por uma outra realidade; (c) – ao esforço para escrever o romance da ausência do sujeito, afirmando a não existência de toda a busca que progressa.

Neste ponto, podemos destacar que a nova sociologia do romance baseada na conjectura goldmanianna das duas estruturas homólogas visa não só restabelecer a especificidade e autonomia da forma romanesca, mas o estatuto particular e privilegiado do romance em relação à classe burguesa.

Deste ponto de vista o romance não é a simples transposição imaginária das estruturas conscientes de tal ou qual agrupamento social particular, mas exprime uma busca por valores autênticos que não é defendida em modo efetivo por grupo social algum. Esses valores autênticos são os que a vida econômica tende a tornar implícitos em todos os membros da sociedade.

Da mesma maneira, esse entendimento de que a especificidade e autonomia da forma romanesca se põe em relevo pela análise sociológica de tal redução ao implícito, afirmada esta última ao longo de toda a exposição de Goldmann sobre a homologia das duas estruturas que se mostram ser dois planos de uma única estrutura, é um entendimento sustentando a convicção de que a literatura romanesca ao lado da criação poética moderna e da pintura contemporânea são formas autênticas de criação cultural sem que se possa amarrá-las à consciência coletiva, mesmo que seja somente a consciência possível de um grupo particular.

Aliás, a nova sociologia vai mais longe admitindo que o romance com herói problemático se revela contrariando a opinião consagrada como uma forma literária ligada sem dúvida à história e ao desenvolvimento da classe burguesa, mas que não é a expressão da consciência real ou possível dessa classe.

Dessa maneira, Goldmann encaminha uma solução para o problema da sociologia do romance. Ao afirmar que se trata de uma forma ligada à história e ao desenvolvimento da classe burguesa está nos dizendo que essa classe social constitui o sujeito da criação cultural da forma romanesca, sendo a esse sujeito coletivo que em última instância é referido o conceito de estruturas homólogas como implicando uma relação inteligível.

Há portanto um aprofundamento da pesquisa de correlações sociológicas estendendo-se ao fenômeno do todo ou ao conjunto do grupo social, de tal sorte que em suas análises das obras romanescas Goldmann é levado a distanciar dois escritores da burguesia como Proust e Balzac, já que o primeiro vem a ser compreendido na origem do tema da ausência (como aprofundamento da forma romanesca), enquanto que a obra de Balzac é relacionada à consciência real e possível da classe burguesa.

Nesta perspectiva, se há proximidade dos personagens de Balzac e de Proust como remarcou Bernard de Fallois, haveria entre esses romancistas profunda diferença quanto ao modo de tratar a realidade.

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